CAUSA DA DESTRUIÇÃO DE SÃO LOURENÇO DO SUL

A ocorrência de chuva intensas estão dentro do previsto em estudos hidrológicos, fato do qual não temos interferência e esta na ordem natural dos fenômenos climáticos. O desmatamento, sim, é a causa principal das enchentes e do crescimento assustador dos níveis de água nos córregos, riachos e rios. A falta de árvores possibilita o escoamento imediáto da água precipitada pela falta de retenção quer nas folhas acumuladas, quer na infiltração provocada pelas raízes. O uso indiscriminado da área em São Lourenço com lavouras de arroz propicia, quando em chuvas intensas o rompimento de taipas e se na parte superior da bacia favorece uma cascata de rompimentos com um acréscimo significativo de água a cada taipa rompida. Estes fatos geraram na Bacia do Arroio São Lourenço um volume de água que veio se acumular, já que retido, junto a BR-116, onde as duas pontes não deram vazão suficiente ao volume de água que alí chegava. A altura da água barrada pela BR-116 chegou a um ponto que passou a erodir o aterro junto ao encontro de uma das pontes, rompendo o mesmo e permitindo que o volume represado, em forma de onda gigante, se dirigisse a cidade, tanto pelo rio quanto pelas margens. A existência de construções na margem do Arroio dificultaram o escoamento pela caixa do rio e inundaram a cidade. Nota-se no Arroio, junto a Lagoa dos Patos um estrangulamento na caixa do rio por aterros e trapiches, que também agravaram a situação.

terça-feira, 15 de março de 2011

Muita chuva não é força maior

WALTER CENEVIVA - Muita chuva não é força maior
Hoje já se sabe que, em SP, temporais vêm na mesma época e prejudicam mais certos bairros que outros

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AS CHUVAS QUE têm caído em São Paulo e em outras partes do Brasil inundaram grandes áreas e, com isso, provocaram deslizamentos, mortes e destruição parcial ou total de imóveis, ano após ano. Dão causa a grandes prejuízos, em relação aos quais a vítima, em geral, não teve qualquer culpa. Ou seja, houve um ato ilícito por aquele que lhe deu origem, causador de prejuízos, por ação ou omissão. Lembre-se que pode haver ato ilícito mesmo não caracterizando crime.
Nas ações que são movidas contra a Prefeitura de São Paulo por perdas decorrentes das enchentes, a municipalidade (sem distinção do partido que esteja no governo) sustenta que o dano resultou de motivo de força maior. Todas as pessoas sabem o que esses dois vocábulos (força e maior) significam. Juntos, porém, tem definição que está na lei.
Em nosso país, essa lei é o Código Civil, pelo qual (art. 393) o devedor, isto é, o causador direto ou indireto do dano, não responde pelos prejuízos, se esses resultaram de caso fortuito ou de força maior. Conforme se lê do parágrafo único do dispositivo mencionado, a inevitabilidade do dano isenta o culpado de indenizar seus efeitos. Não seria assim se fosse possível evitá-los ou impedi-los, no todo ou em parte.
Tanto nos países da lei escrita (com frequência referida em inglês como "statute law") quanto naqueles em que a lei resulta das decisões repetidas dos tribunais ("common law"), os casos de força maior são indicados em francês ("force majeure"), para referir o fato criado por força superior ou impossível de ser resistida.
Durante muitos anos predominou na jurisprudência brasileira a interpretação de que efeitos de chuvas torrenciais não eram indenizáveis pelo poder público. Hoje, porém, já se sabe (tomando o exemplo de São Paulo) que as grandes chuvas vêm nas mesmas épocas, atingem mais certos bairros ou áreas do que outros. Sua intensidade pode ser prevista e os efeitos podem ser diminuídos por medidas de engenharia conhecidas.
Não só as medidas preventivas têm sido omitidas (exemplos: manter a calha dos rios em nível convenientemente fundo, preservar a limpeza dos chamados "piscinões", além de criar outros). Há soluções simples: é o caso de fixar avisos claros e legíveis nas áreas em que o trânsito de pessoas e veículos seja perigoso a partir de uma certa altura da água. Assim também na limpeza dos bueiros -na preservação das tampas dos tubulões de escoamento quando arrancadas e não substituídas.
A indicação de exemplos da mesma espécie vai ao infinito, até pela frequência da queixa dos munícipes nas áreas em que habitam ou trabalham. Reclamam, mas nem sempre são atendidos. Em todos esses casos, é evidente que a invocação da força maior não é aceitável.
Conforme a Folha noticiou, em reportagem da última quarta-feira, a prefeitura paulistana mantém indiferença às queixas porque confia na lentidão do Judiciário e nos expedientes protelatórios. Confia na demora do julgamento para além do razoável, coisa que a Constituição proíbe.
Se a resistência da população for estimulada, se o Judiciário der resposta breve aos pedidos, o desastroso efeito das chuvas perderá importância quando as indenizações forem recebidas a curto prazo.

De quem é a culpa? Quem pagará?

WALTER CENEVIVA

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Há meios processuais para a população se defender em casos como a tragédia no Rio. O problema é o tempo
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NO REFERENTE às consequências da tragédia no Estado do Rio, a segunda em curto tempo, a lei brasileira é muito clara. Está no art. 186 do Código Civil: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". Ou seja: a ilegalidade por ação ou omissão é punível. Predominam duas disposições sobre o assunto. A primeira é lida no art. 389 do Código Civil: "Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado", além do dano moral. Lê-se a segunda no art. 393: "O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado". Caso fortuito ou de força estão no parágrafo único do artigo: verifica-se quando existe "fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir". Assim, a lei dá com uma das mãos o que em parte tira com a outra, quando não caiba a indenização da vítima. Lembro as declarações do governador do Estado e do prefeito de SP sobre as enchentes que aqui vêm ocorrendo. Possivelmente aconselhados por seus assessores, responderam aos jornalistas: o culpado pelos danos foi são Pedro. Ou seja, para eles a culpa não é do poder público, mas do excesso de chuvas. Infelizmente a memória não me ajuda quanto aos pormenores, mas dá para lembrar que, há muitos anos, o hoje presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, ganhou (em primeiro grau, pelo menos) uma ação contra a prefeitura porque seu automóvel foi atingido pela enchente, depois de forte chuva nesta capital. O município veio com a defesa de sempre: a chuva é um fenômeno da natureza e, assim, de força maior. Não pegou, porque ficou claro que a autoridade pública não havia cuidado do escoamento pelos meios cabíveis e assim contribuíra para o dano. Não sei do resultado final desse processo, mas tem importância porque quem alegar força maior ou caso fortuito deve comprová-lo. Na enchente de Franco da Rocha, por exemplo, a abertura de comportas causou, ou pelo menos agravou, as condições danosas. Nos carros perdidos na marginal do rio Tietê, parece possível o erro de cálculo do escoamento, agravado pelo alargamento da pista. A discussão técnica a respeito definirá se houve força maior ou não. Nos desastres do Estado do Rio, se discutirá se a permissão de construções em encostas deveria ter sido negada pelas autoridades competentes ou punida no caso de clandestinidade. A previsão de deslizamentos (foi recente o caso gravíssimo de Angra dos Reis) deveria levar a administração fluminense a ter maior cuidado ao exigir obras de contenção ou outras, além de verificar se as construções foram licenciadas nos termos da lei. Enfim: temos a lei. Há meios processuais para a cidadania se defender. No Judiciário é raro, porém, que ações contra o poder público durem pouco ou custem pouco. O problema maior é o tempo. Permite até parafrasear um ditado célebre de Pascal: a luta judicial contra o poder público tem razões que a própria razão desconhece.